Páginas

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Como a fotografia pode ser vista por uma pessoa com deficiência visual


Há exatos seis anos, publiquei o artigo Acessibilidade e tecnologias de apoio à inclusão de pessoas com necessidades especiais (PNE) no ensino superior, duplicado em diversos sites orientados à pessoa com deficiência.

Naquela ocasião, eu recebi um email enviado por um rapaz que dizia ter tido muito boas referências sobre aquele texto e sua utilidade, porém, como era cego, lamentava o fato de não ter acesso ao conteúdo que estava publicado em arquivo fechado (um recurso que costumávamos utilizar para evitar cópias desautorizadas) - que não podia ser traduzido pelos programas que convertem os conteúdos de imagem e texto em voz.

Veja que ironia: justo um rapaz cego, quem mostrou o quanto eu também sofria da "falta de visão", neste caso, da visão do todo, da alteridade; e que, a despeito do meu trabalho de informação, eu estava deficiente.

Desde então, me desapeguei completamente da preocupação com minha propriedade intelectual, passando a publicar artigos passíveis de cópia e duplicação. Além disso, passei a sensibilizar desenvolvedores de sites e provedores de conteúdo, para a produção de conteúdos sob as normativas de acessibilidade.

O consórcio W3C, por exemplo, introduziu normas de acessibilidade para conteúdos publicados na web, mas como nossa fotografia pode ser "vista" por pessoas que perderam total ou parcialmente a visão ou são daltônicos?

O ditado "é preciso ver para crer", foi adaptado para "é preciso CRER para ver", para sensibilizar pessoas às práticas de inclusão visual. Isto porque uma pessoa cega não é desprovida de imaginação!

Mesmo uma pessoa que já nasceu sem a visão, ao logo da vida será capaz de aprender a reconhecer tudo o que há ao seu entorno. Do contrário, não teria mobilidade, nem tampouco se relacionaria com outras pessoas, objetos, lugares, sons.

A temperatura das cores, a sensação de claridade e escuridão também podem ser sentidas. Se o deficiente visual é ouvinte, tem na audição um recurso poderoso de capturar o mundo!

Leia a seguir um trecho do post de André Carioca, do blog Cotidiano Cego, que fala da relação entre cegos e imagens:

"(...) Eu comentei que gosto muito de cinema e ele disse: como? você não vê filme nenhum! Existem formas de se entender um filme sem a visão. Além dos diálogos que existem em vários filmes, existem também os efeitos sonoros que nos fazem ter ideia do que acontece. Talvez, para uma pessoa que enxerga e não está acostumada a se atentar para esses detalhes, seja difícil imaginar. Tem também um outro recurso chamado audiodescrição, que atualmente é usado algumas vezes. Sabe aqueles aparelhos de tradução simultânea que são distribuídos em algumas palestras? Eles têm um fone de ouvido por onde você escuta a tradução. Então: em algumas seções de cinema e outros eventos, é entregue um desses pelo qual o cego escuta a descrição das cenas mudas além, no caso de um filme com legenda, a leitura da mesma. Recurso muito interessante."

Sobre a audiodescrição, encontrei em minhas pesquisas o Guião para a produção de texto descritivo - que me serve perfeitamente como referência para a elaboração de um guia para descrição das imagens fotográficas.

Veja a seguir a descrição que faço da imagem:No centro da fotografia digital, moça de pele clara, cabelo chanel e escuro, agachada à beira do mar, trajando um longo vestido vermelho (tomara-que-caia), de modo que os joelhos fiquem juntos ao peito, tem a mão esquerda apoiada no joelho esquerdo, enquanto a direita revolve a areia em busca de conchinhas, talvez. Sua imagem é refletida na água em movimento, de modo que parece uma pintura espatulada. O curioso é que a foto recebeu tratamento que a deixou com a metade superior em preto e branco e o reflexo (inferior) em cores.

No centro da fotografia digital, moça de pele clara, cabelo chanel (corte clássico de fio reto até o pescoço) e escuro, trajando um longo vestido vermelho "tomara-que-caia"(do tipo que cobre os seios, mas deixa o colo e ombros nús), está agachada à beira do mar de modo que os joelhos estão juntos ao peito; e tem a mão esquerda apoiada no joelho esquerdo, enquanto a direita revolve a areia em busca de conchinhas, talvez. Sua imagem é refletida na água, que em movimento faz parecer uma pintura espatulada. O curioso é que a foto recebeu tratamento que a deixou com a metade superior em preto e branco e o reflexo (inferior) em cores.

Agora, experimente ler em voz alta esta descrição para alguém e em seguida mostre a imagem, pedindo para que a pessoa diga o quão perto ela pode chegar da imagem a partir da sua descrição.

Como se pode ver, basta dedicar um tempo à descrição das imagens e já vamos poder compartilhar nossos saberes com deficientes visuais, também.

Estou buscando uma maneira de inserir as descrições da imagem no blog. Vou ter de fazer através de códigos, mas deixo a sugestão para que as ferramentas para o upload das imagens contenham um campo descritivo.

E considerando que 16,7% da população têm alguma deficiência visual, está mais do que na hora de praticarmos a inclusão - sem contar que este é, por natureza um público consumidor de informação e arte!

Para conhecer melhor o problema, leia o artigo sobre como as pessoas cegas usam a internet.

Foto: "between two worlds by Daveturtl"- Photobucket